sexta-feira, 26 de julho de 2013

Onze Segundos

Ainda estamos em julho, então acho que ainda cabe umas últimas palavras sobre festas juninas. Antes que se vá por completo da minha memória, deixo esta festa.

Há muitos e muitos anos atrás....

“Feche os olhos e conte até onze” – pensei, devidamente acomodado no último degrau da arquibancada. Imaginei que aquele lugar, há vários metros do chão, me fizesse passar desapercebido. Lá de cima eu observava de longe o ensaio. O último ensaio da minha turma antes da apresentação da quadrilha. Na verdade, não dava a mínima para o ensaio, eu observava uma pessoa.



"Quanta coisa poderia caber em onze segundos?" Era importante ter noção desta quantidade de tempo. O tempo de um sorriso, de um cumprimento, beber um copo de água, comer um pedaço de chocolate, dar um abraço. Mas o interessante com o tempo, é que o tempo em si não é importante, mas sim a mudança das coisas. O sorriso transforma-se em pensamento, em memória, o chocolate em sensação, em energia. Tudo o que não é eterno tem essa característica, a transitoriedade. Assim, não importa se seriam onze segundos ou onze mil anos. Se acabasse, seria rápido demais.

Comecei a contar até onze, mas de olhos abertos. Afinal, eu não conseguia mesmo tirar os olhos da Aline. Sempre tive pouco ânimo para atividades recreativas organizadas, tais como dançar quadrilhas. Mas aquele ano resolvi participar do sorteio dos pares por um motivo. Pela esperança de que alguma força sobrenatural me colocasse como par dela.

Isto, obviamente, não aconteceu. Então, antes que o primeiro ensaio ocorresse, comuniquei respeitosamente minha desistência à professora responsável, com as devidas desculpas.

O mundo dos excluídos da quadrilha não era dos piores. Enquanto os dançarinos enfrentavam aqueles ensaios tediosos e repetidos, nós estávamos livres para jogar futebol no campinho de grama ao lado da quadra.

Mas no último dia, no último ensaio, a professora me tirou do campinho...

- A Renata (nome fictício) está triste, porque ficou sem par, então...

- Professora, eu não posso ajudar, não ensaiei, e a quadrilha já é amanhã! – me antecipei, já sabendo o que estava para acontecer.

- Mas você consegue, é só seguir o que os outros fazem. Coloco vocês dois no fim da fila.

- Eu não estou com disposição, não quero, não gosto de dançar.

- Faz esse favor por mim, a Renata está triste, o Renato (nome fictício, ex par da Renata) vai viajar de última hora...

Alguns minutos e muita chantagem depois, ela me convenceu a, pelo menos, assistir ao último ensaio e dar minha resposta no final. Me dirigi à quadra procurando me assentar no último degrau da arquibancada. Fiz isso apenas por consideração pois nada mudaria minha decisão. Comecei a assistir àquele tédio.

Até que eu vi um determinado movimento da coreografia. Onze segundos! Um tempo que, enfim, poderia fazer tudo valer a pena. Onze segundos... Não tinha mais dúvidas. Corri para a professora, e comuniquei minha decisão.

No dia seguinte...

Já começava a escurecer no pátio da escola Monsenhor Rafael quando entramos para a apresentação. No céu, Sírius ainda era uma luzinha pálida. Rigel e Betelgeuse apenas pontinhos fugazes. Ainda não conhecia as estrelas por estes nomes, mas sabia quem eram. Ao meu lado, Renata e, pouco à frente, Aline e seu par.

Fizemos um sem número de representações que os adultos achavam a maior graça. Até que chegou o momento....

- Voa andorinha! – gritou a professora. Imediatamente, Renata soltou minha mão e correu para o garoto que estava à minha frente na roda. Outra menina, a Roberta (nome fictício), veio de trás e me deu a mão.

Comecei a contar. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze...

- Voa andorinha! – gritou a professora, exatamente onze segundos depois. Os movimentos se repetiram.

Trocamos de pares algumas vezes, e cada vez eu contava o tempo. Contava também quantos pares me separavam da Aline.

- Voa andorinha! – nesse momento faltavam três pares para o encontro. No céu, olhei o cinturão de Órion, que já estava nítido. Na Terra, a fogueira.

- Voa andorinha! – o frio na barriga estava intenso, mesmo com o fogo. Aline estava há dois pares. Minhas pernas não tremiam, pois estávamos caminhando, mas minhas mãos soavam.

- Voa andorinha! – já não pensava mais em nada. Aline estava logo atrás. Passei os últimos onze segundos da minha antiga vida sem conseguir respirar direito. Não corríamos, e mesmo assim eu estava ofegante.

- Voa andorinha! – ela me tocou e tudo desapareceu. As pessoas, a fogueira, as estrelas. Por fim, o chão. Só Aline não desapareceu. Não contei mais os segundos. Apenas olhei de lado, procurei seus olhos, e o tempo parou.

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