sábado, 11 de janeiro de 2014

A Sentença

A primeira pedra acertou minha têmpora. Senti como se algo tivesse explodido. Houve o barulho, o clarão, a confusão momentânea. O que aconteceu? A dor em si levou alguns segundos para surgir. Ela veio latejando, como a pulsação. Instintivamente larguei a lancheira, e levei minhas duas mãos à cabeça para me proteger.

Minhas acusadoras agora me cercavam contra o muro. Algumas traziam mais pedras, outras traziam palavras feias. Não sabia que meninas guardavam tantas delas. Ainda não conhecia a minha acusação, mas a sentença era inconfundível. Quiz dizer algo, mas era difícil. A respiração ofegante tornava a tentativa em um esforço covarde. Meu corpo tremia, mas mesmo assim coloquei as palavras no estômago. Precisava dizer. Precisava gritar. O que quer que tinha acontecido, não fui eu!



Antes que as palavras viessem para fora, a segunda pedra me atingiu proximo à sombrancelha. Novo clarão, barulho, tontura, confusão. Minha mão direita estava molhada com o líquido vermelho. Ele escorria como um rio da minha testa, chegava à boca, pingava no chão. Olhei as meninas, ávidas por sangue. Como uma matilha de lobos que cerca uma presa em estado de excitação. Como seres humanos que assistem aos apedrejamentos de gente que odeiam até a morte.

Em meus sete anos de vida já tinha conhecido a injustiça. Como apanhar de meu pai por tijolos que não quebrei, pela parede que não sujei de carvão, pela canção que cantava quando não sabia que ele estava dormindo no quarto ao lado. Mas nada agora se comparava com aquilo. Não sabia quando aquilo terminaria, ou se terminaria. Depois da segunda pedra, desisti das palavras, e me resignei com a sorte. Agachei. Ja estava machucado, já estava sangrando, nada mais importava.

Nesse momento uma garotinha apareceu correndo e se colocou entre mim e os demonios. Vocês não sabem se foi ele! Vocês não sabem se foi ele! Meu anjo gritava com a alma e nenhuma pedra foi capaz de atravessar suas palavras. A confusão se abateu sobre os demônios, que agora conversavam entre si. Apontavam para lugares. Perguntavam-se umas as outras quem tinha visto quem. Uma se aproximou e me ofereceu sua toalha de lanche. Desculpe.

Outras vieram depois desta. Meu anjo também se aproximou. Nunca soube o seu nome.